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O Círculo Mágico: Não é visível, nem é palpável e sequer é físico, é algo que criamos quando estamos jogando e acreditamos no o jogo tem a nos oferecer.

O termo foi atribuído a Johan Huizinga em seu livro Homo Ludens. Para ele existem atividades culturais com características de jogos, como exemplo arenas de esportes, mesa de cartas, palcos e até mesmo cortes de justiça. Nestas atividades existem regras especiais a serem obedecidas, coisas proibidas e permitidas, pontos isolados etc; existe um “mundo temporário”, dedicado ao ato em si, dentro de nosso mundo comum.

Embora possa ser aplicado, Johan nunca disse explicitamente que o conceito do círculo mágico se aplicava a jogos. Neste sentido o termo foi cunhado no livro Regras Do Jogo de Katie Salen e Eric Zimmerman.

Vamos usar um jogo de xadrez para exemplificar: O tabuleiro nada mais é do que um pedaço de madeira com pintura xadrez e peças simbólicas colocadas em cima dele. Ao começar o jogo, no entanto, é criado ali um círculo mágico e esse pedaço de madeira é transformado em um verdadeiro campo de batalha, os jogadores são transformados em generais e as peças em guerreiros dentro deste universo.

O conceito de Círculo Mágico pode ser aplicado em diversas situações, mas quando se trata de aplicar o conceito a game design existem duas perguntas importantes a serem feitas: “Como trazer o jogador para o dentro do círculo mágico?” e “Como mantê-lo lá?”. Ao longo do artigo vamos tentar responder essas questões.

Ambientação

O jogo VA-11 Hall-A : Cyberpunk Bartender Action começa com um aviso:

“Esse jogo é melhor jogado estando confortável. Pegue algumas bebidas, alguns snacks e aproveite!”

Aqui os criadores do jogo propõem que é necessária uma ambientação para poder tirar melhor proveito do que você irá jogar a seguir.

A ambientação é fundamental para que o jogador entre no círculo mágico. Jogar Journey enquanto assiste sua série favorita ou escuta o podcast da Gamefoss não trará o mesmo efeito do que focar apenas no jogo.

Se você estiver jogando um jogo de terror em um ambiente cheio de amigos e com bastante luz, até poderá ser divertido, mas o jogo não passará a tensão que se propõe a passar.

Imersão

Segundo o livro Regras do jogo:

“Todas as formas de entretenimento se esforçam para criar a suspensão da descrença, um estado em que a mente do jogador esquece que está se sujeitando a apenas entretenimento e aceita o que percebe como realidade.”

A falácia imersiva, para os autores, é a capacidade que a mídia em questão tem de transportar o jogador para uma realidade alternativa em que o estado de suspensão da descrença é instaurado, o que é fundamental para qualquer experiência de imersão.

Magia e dragões, por exemplo, não existem no nosso mundo, mas para alguém jogando Skyrim, essas duas coisas existem e são tão reais quanto a gravidade. O jogador transporta o mundo real para dentro de sua experiência e aceita os componentes impossíveis e maravilhosos através da suspensão da descrença.

Esse estado é uma ferramenta poderosíssima para qualquer ficção. O jogador pode, assim, ser um soldado com capacidade sobre-humana de regeneração e tomar infinitos tiros dos inimigos, bastando conseguir se esconder entre um tiroteio e outro.
Essa mecânica é ridícula se aplicada ao mundo real. Entretanto o que acontece aqui é que o mundo real é projetado na ficção, então a mecânica funciona pois dentro daquele universo ela é crível.

Porém, se esse soldado de fato for invulnerável ou possuir outras habilidades, como por exemplo o poder de voar, é importante que se forneça ao jogador alguma explicação plausível para esse fato. Caso contrário, isso se tornará um grande elefante rosa.

O Grande Elefante Rosa

A quebra de imersão em uma obra de ficção se dá quando o jogador sai do estado de suspensão da descrença e, por conseguinte, escapa do círculo mágico. Isso pode se dar por uma gama de fatores: desde uma tradução errada na HUD (heads-up display) que faça nosso jogador parar por um segundo e se perguntar se aquilo foi intencional, passando por glitches e bugs, até alguma coisa destoante daquele universo.

Imagine um jogo sobre um índio em uma floresta com mecânicas de sobrevivência; é necessário procurar água, comida e defender a aldeia de animais selvagens. Em determinado momento, sem maiores explicações, desce um OVNI com zumbis nazistas que fizeram o presidente dos Estados Unidos de refém. Embora essa pareça ser uma excelente ideia para um jogo, também é um elefante rosa – algo totalmente destoante do universo apresentado, que irá facilmente tirar o jogador de dentro do círculo mágico.

É importante salientar, no entanto, que a utilização de elefantes rosas não é proibida. Se bem utilizados, eles podem ter um efeito contrário e despertar a atenção do jogador para um universo ainda mais fantasioso e incrível. Como exemplo podemos utilizar uma das cenas mais icônicas do filme Dumbo, que é a Pink Elephant Parade.

É a cena mais psicodélica de todo o filme e é literalmente um grande elefante rosa. No entanto, também é uma das cenas mais memoráveis. Lembre-se que mesmo essa cena tem uma razão de estar ali, então se for usar um elefante rosa, sempre valorize o contexto.

Vida Mundana

Jogar um jogo sobre trabalhar 8 horas por dia, perder mais 2 horas no trajeto, receber salário que mal dá para pagar as contas e repetir isso, indefinidamente, sem nada diferente da vida real, não seria uma experiência muito agradável.

Jogos trazem uma experiência diferente da nossa vida mundana. Neles podemos fazer coisas que não são possíveis no mundo real ou por se tratar de algo fantasioso, como ter poderes mágicos, lutar contra demônios e matar dragões, ou por não conter as consequências reais de nossas ações como quando matamos um NPC no GTA.

Mesmo jogos que pareçam ser apenas uma simulação da vida normal possuem atrativos para que sejamos compelidos a jogá-los. Em The Sims, por exemplo, os jogadores podem projetar o que para eles soa como sua vida perfeita, ou construir a casa de seus sonhos.Já Euro Truck Simulator coloca o jogador na boleia de uma carreta para fazer entregas pela Europa, que por si só já é uma experiência diferente do cotidiano de muita gente e talvez até seja o sonho do público alvo deste simulador.

Uma forma simples de conquistar o jogador é utilizar algo fantástico, que chame a atenção do jogador logo no começo do jogo, como o dragão que aparece nos minutos iniciais de Skyrim. Outra forma é deixar extremamente claro qual será seu objetivo naquele universo, como os jogos do Mario que deixam nítido seu dever de salvar a princesa Peach ou em Earthbound em que Ness deve combater Giygas.

Mistérios, Dúvidas e a Busca por Respostas

Outro método efetivo para capturar o jogador para dentro do círculo mágico é criar um mistério. O ser humano é curioso por natureza e ao criar entretenimento podemos utilizar isso a nosso favor. Filmes como Inception ou Halloween terminam com um cliffhanger, uma última cena que deixa dúvidas para o espectador continuar a pensar no filme depois de sair do cinema e, quem sabe, abrir espaço para uma continuação.

Quem consome um jogo com um mistério tentará desvendá-lo, uma vez que esse é o seu papel ali, e a experiência de trilhar o caminho deve ser tão ou mais importante que a conclusão do mistério em si. Criar toda a estrutura necessária para que isso aconteça é papel do game designer.

Tomemos como exemplo o jogo Oxenfree. Há um mistério envolvendo a ilha e os adolescentes são os protagonistas. A curiosidade que o jogador tem em descobrir o que está acontecendo é a motivação para continuar jogando. Essa curiosidade também é apresentada pelos protagonistas e talvez isso tenha sido feito propositalmente para aumentar a sensação de imersão causada pelo jogo. Quando você entra no círculo mágico de Oxenfree, você é a Alex e é a sua curiosidade que te faz adentrar cada vez mais nos mistérios da ilha.

Flow

Um gameplay bem desenvolvido faz com que o jogador entre em FLOW (fluxo).

O conceito de Flow foi proposto pelo psicólogo Húngaro Mihaly Csikszentmihalyi e pode ser descrito como um estado mental em que o jogador se encontra totalmente imerso. Isso se dá quando há um perfeito equilíbrio entre a dificuldade do jogo e o nível de habilidade do jogador.

Evidentemente esse fluxo vai variar de acordo com o tipo de jogo e ao que ele se propõe. Jogos de terror, por exemplo, não podem dar sustos a todo o momento nem criar muita tensão por períodos muito longos; é necessário dar um espaço para o jogador “respirar”, caso contrário ficará difícil mantê-lo em Flow e, por conseguinte, dentro de nosso círculo mágico.

O Círculo

Essas características abordadas são algumas das que podem ser utilizadas para fazer com que o jogador entre de cabeça no Círculo Mágico e lá permaneça por todo tempo em que estiver jogando, o que aumenta consideravelmente sua diversão e satisfação!


Referências

Johan Huizinga – Homo Ludens: a Study of the Play-Element in Culture.
Katie Salen Tekinbaş, Eric Zimmerman – Rules of Play: Game Design Fundamentals
Extra Credits – S7E23 – The Magic Circle – How Games Transport Us to New Worlds
Mihaly Csikszentmihalyi – Flow : Finding Flow: The Psychology of Engagement with Everyday Life

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